#3 O que ninguém te conta sobre raspar a cabeça
Esse título é sensacionalista para te fazer clicar kkkkk, só vou reclamar sobre como está sendo horrível deixar o cabelo crescer mesmo
Para ler ouvindo: a playlist que tô ouvindo agora.
Sempre fui meio andrógina e só aceitei isso há pouco tempo. Curto vestidinho e batom vermelho, mas também amo calça larga, tênis e camiseta e tenho me sentido mais à vontade para explorar esse meu lado depois do fim de um relacionamento longo onde eu me encolhia inteira para caber nas expectativas do outro.
Desde criança, era fascinada por cabelos curtos, só que achava que não era para mim porque eu tinha cabelo cacheado e, nos editoriais com 384738 cortes de cabelo das revistas Cláudia da minha mãe, não tinha nenhum cabelo como o meu.
Também não me passava pela cabeça que uma mulher pudesse raspar a cabeça estando saudável. Não ter cabelos ou tê-los muito curtos era uma associação ao câncer e à perda de cabelo imposta pela quimioterapia.
E pior que ser doente, certamente, era ser maria-homem e, por isso, achar que podia raspar a cabeça. Credo, sai para lá, né?
Love by Grace da Lara Fabian toca ao fundo 🎵
Desde criança, eu era apaixonada pelas novelas no Manuel Carlos, sendo minha favorita até hoje “Laços de Família”. Helena (Vera Fischer) namora com Edu (um Gianechinni péssimo na atuação) muitos anos mais novo que ela. Camila (Carolina Dieckmann), a filha de Helena que fazia intercâmbio em Londres, retorna ao Brasil e sei lá como Helena e Edu terminam e Edu e Camila se apaixonam, causando indignação na audiência e comoção nas reportagens da revista “Tititi”.
Camila e Edu se casam, acho que é porque ela tá grávida e aí BOOM, Camila descobre que tem leucemia e a atriz Carolina Dieckmann raspa a cabeça em rede nacional, numa cena super dramática, com “Love by grace” ao fundo, o que faz até quem tem um coração peludo chorar, e ela fica simplesmente linda sem cabelo, mais linda do que ela era com aquele cabelo lambido loiro palha de milho.
E apesar dessa cena representar justamente o sofrimento de uma mulher perdendo o cabelo por causa do câncer, a jovem eu pensei “Peraí, então uma mulher pode raspar a cabeça?”. Afinal, Carol Dieckmann não estava doente.
Então, veio o filme V de vingança e Natalie Portman, uma militante revolucionária, tem sua cabeça raspada diante das câmeras em um outro retrato bem dramático do corte de cabelo.
Natalie, que já é linda, ficou ainda mais gata com a cabeça raspada e, mais uma vez, fiquei com vontade de copiar uma careca e raspar meu cabelo também.
Mas tinha um porém…
Camila Dieckman e Natalie Portman são lindas e eu…
…sei que beleza não é meu ponto forte. Até sou bonitinha do ângulo certo, quando ponho uma roupa melhorzinha, mas nada comparado a essas duas mulheres totalmente dentro do padrão.
Portanto, na minha cabeça, até era possível ser careca desde que sua cara fosse linda.
Até que veio a pandemia…
E aí todo mundo sentiu a água bater na bunda e pensar "só se vive uma vez”. Eu, pelo menos, pensei muito sobre isso e não só sobre isso, mas sobre o fato de que a gente não sabe o dia de amanhã e que não é uma boa ficar passando vontade.
Com toda a bagagem feminista, morte rondando a todos nós - e um cabelo horroroso sem poder ser cortado -, me dei conta de que era o momento perfeito para realizar meu sonho de princesinha andrógina com zero compromisso com a feminilidade para o desespero dos meus pais.
Todo esse rolê foi documentado nesse vídeo no meu Instagram, que eu amo porque acho que ele capta minha essência caótica perfeitamente. Também escrevi esse textinho sobre o assunto lá no Medium.
Só que, como tudo na vida, enjoei…
… de raspar a cabeça.
Finalmente, cheguei onde queria chegar. Reparou a volta que dei, contado várias coisas antes de chegar ao tema real da newsletter? Mas já conversou comigo pessoalmente? Já conversou com alguma das mulheres da minha família? A gente é assim. Toda história tem um prelúdio. Não há nada que eu possa fazer a respeito.
Bom, eu AMEI ter cabelo raspado. Me sentia tão poderosa e dona de mim. Adorava quando atraía olhares de admiração ou de reprovação e era muito feliz gastando uma gota de shampoo, lavando o cabelo meia noite e dormindo com ele seco e estando sempre pronta para sair.
Apesar de tudo isso, o cabelo raspado é o mesmo todo santo dia. E olha que eu até aproveitei para realizar outro sonho de adolescência e pintei o cabelo de rosa, de roxo, de azul e sei lá mais de que cor. Mas isso também enjoou porque dá trabalho e eu odeio qualquer coisa que me dê trabalho desnecessário.
E aí chegou o momento que pensei que demoraria a chegar: a vontade de ter o cabelo comprido novamente.
E eu sabia que não seria fácil…
Afinal, sou a ansiosinha da estrela e odeio esperar e não há cabelo que cresça na velocidade que minha ansiedade gostaria. Além disso, eu já sabia que ele ficaria feio e torto enquanto crescia, mas não fazia ideia de que seria tão feio quanto está agora.
Por que, puta que pariu, na moral, cada fase é mais feia que a anterior e não há o que dê jeito. Já passei pela pontas espetadas, pela Reginaldo Rossi e agora, tô na dúvida, mas creio que seja um momento Beiçola com Adamastor Pitaco - e suspeito que seja o pior de todos os estágios até agora. E tem mais, quando acordo, tem dia que tô Jimmy Neutron e, hoje, tava Galeão Cumbica - para quem não sabe, é um personagem da escolinha do professor Raimundo.
E não sou só eu que tô falando, não, tá? Dia desses, saí do quarto de manhã e minha amiga Amanda falou “Vivi, não queria falar nada, mas eu cabelo tá parecendo de personagem de desenho animado”.
E por favor, não me digam “ah que isso, seu cabelo tá lindo” porque eu sei que é mentira. E todo mundo sabe que, na vida, a única coisa que importa são as opiniões negativas. Quando alguém elogia é mentira, quando é crítica, é verdade - obviamente, tô tirando um sarro de mim mesma e das minhas neuras.
E além de tudo, a pandemia atropelou o pouco de autoestima que eu tinha construído a duras penas
No geral, tô me sentindo o cão chupando manga. Vocês também se sentem assim?
Engordei muito e, não há movimento antigordofobia e pressão estética, que me faça aceitar meu novo corpo, o que me faz sentir como a maior hipócrita da face da terra, já que postei até vídeo falando disso no Instagram.
Mas é que foi uma derrocada geral, sabe?
Muito estresse, ser brasileira, sedentarismo e compensação de cada privação de prazer em comida altamente calórica. Talvez, se eu tivesse ganhado peso num outro contexto, eu estaria encarando a situação de forma diferente.
Aí a cabeça tá ruim, o corpo tá ruim e o cabelo…
E cheguei ao ponto sem volta.
Por que, assim, porra, tô há meses deixando crescer. Se eu desistir agora, e aí? Entende?
Já foram uns sete meses de feiura. Se eu aguentar firme, em mais uns meses, talvez ele esteja longo o suficiente para fazer um corte legal e voltar a me sentir como um ser humano.
E sabe o que é foda? É que ele está muito bonito! Não o corte, mas os fios. Acho que nunca vi meu cabelo tão lindo.
Ele tá super definido, hidratado e brilhoso e talvez essa seja a minha última chance de vê-lo mais castanho. Afinal, os cabelos brancos estão vindo com força total e eu ainda não tenho forças de ser grisalha e provavelmente vou ter que tingir o cabelo daqui uns dois, três anos e tanto a tinta quanto o grisalho mudam bastante a aparência dos fios.
E eu só gostaria que alguém tivesse me dado esse toque antes de eu tocar a máquina nesse cabelo
Não que isso mudaria alguma coisa kkkkk.
De forma alguma, eu teria deixado de raspar, mas aí eu estaria preparada porque - eu não sei se vocês já repararam nisso - o que dói não é a realidade dura e, sim, a quebra de expectativa.
A desgraça esperada não dói nem perto do quanto dói a inesperada. Não que deixar o cabelo crescer e ficar ainda mais feia possa ser considerado uma desgraça. Longe disso, né?
E acho que é por isso que, no geral, a pessoas tendem a ser pessimistas e nem tentar certas coisas, sabe? Porque é mais fácil presumir o pior do que se jogar cheia de esperança e dar com a cara no chão.
Posso dizer que dei com a cara no chão no crescimento de cabelo.
Bom, encerro por aqui esse desabafo. Espero que você esteja se sentindo mais bonita do que eu!
Um beijo na sua autoestima! Que Deus conserve, viu?
Lendo um ano depois e relembrando que é exatamente assim. Não tem jeito. Na fase do crescimento eu achei que tava muito careta e raspei só de um lado. Agora enjoei mas preciso esperar crescer bastante pra poder deixar no meio e cobrir o raspado quando eu quiser... Que demora. Aff
Que abraço esse texto. Li com a sua voz. Tô morrendo de saudade de ti!