#26 "Só se vive uma vez", disse Amanda naquele carnaval
Sobre como as amizades nos levam a novos lugares
Era o carnaval de 2019. Caminhávamos pela Presidente Vargas em direção à Cidade Nova. O dia tinha sido cheio, mas, como na festa carne somos tomados por um ânimo sobrenatural, ainda estávamos ali, caminhando meio que a esmo para ver os carros alegóricos de perto.
Estávamos eu, George, seu colega da faculdade, Brendo, e Alan, ex-namorado dele, a minha Amanda e a Amanda do George. Essa foi a forma que encontramos para distinguir minha amiga Amanda de São Paulo, que é originalmente amiga da minha amiga Erika e a Amanda, melhor amiga do George, gaúcha como ele. Éramos um grupo entrosado, de uma amizade forjada pela cerveja e pela bagunça nos blocos de carnaval. Amo como festejar juntos aumenta a velocidade com que nos aproximamos uns dos outros. Ah como eu queria que todo dia fosse carnaval!
Brendo e Alan caminhavam como casal. Um pouco mais à frente, George e a minha Amanda estavam num papo animado de pessoas que acabaram de se conhecer, se encantaram um pelo outro e compartilham suas ideias com entusiasmo. Amanda é designer e analisava os carros alegóricos com seu olhar técnico e artístico. George, que ama arte e é ávido por conhecimento, a ouvia e fazia perguntas.
Eu e a Amanda do George tínhamos uma das nossas primeiras conversas sérias, profundas sobre a vida. Naquela época, não imaginava que esse tipo de conversa com ela se tornaria parte da minha rotina alguns anos mais à frente. Já tínhamos passado o carnaval de 2018 juntas, mas, foi bem diferente, porque, naquela época, eu estava num relacionamento.
Quando você está em casal, a experiência de fazer novas amizades não é tão livre. Mesmo no carnaval, na rua, cercada de pessoas, minha atenção se voltava para o relacionamento. Naquele ano, minha separação era recente e eu experimentava, pela primeira vez em anos, como era ser independente e fazer novos amigos, me aprofundar em conversas com outras pessoas em vez de me preocupar em andar de mãos dadas e administrar os desejos e chiliques do meu parceiro. Apesar dos turbilhões emocionais, estava muito feliz!
E a oportunidade de tomar a cidade era algo encantador. Caminhá-la daquela forma é um privilégio do carnaval. Eu passava pela Presidente Vargas de ônibus e metrô há anos, mas nunca tinha pisado meus pés naquele trecho, caminhando junto ao rio, misturada com os mais diversos tipos de pessoas.
Embora estivesse envolvida no meu papo com a Amanda e investida naquela caminhada livre, quando vi a passarela da Cidade Nova, logo lancei o ultimato:
- Amanda (minha), vamos embora? A estação está logo ali. Estamos bem perto de casa.
Não é que eu realmente quisesse ir embora, mas havia duas questões: estava exausta de tanto andar e morro de medo de violência, sendo esse o motivo que mais me atraía de volta para casa. Estava curtindo o passeio, mas, dentro de mim, havia a familiar vozinha alarmante que me alertava que já estava tarde e, portanto, eu estava em perigo.
Ouvindo isso, Alan, que era o único carioca do nosso grupo, muito safo, como só um carioca consegue ser, sugeriu:
- Gente, por que vocês não ficam para os desfiles? Tem um monte de gente vendendo ingresso.
Minha voz interior gritou e me convenceu a encontrar uma forma de abortar esse plano. Que ideia mais descabida era aquela de ver desfile de escola de samba depois de termos passado o dia todo andando para lá e para cá. Eu tinha que ir para a segurança da minha casa enquanto era cedo e, assim, me proteger, tomar um banho e descansar.
Enquanto discutíamos, eu, fingindo que não era contra ficarmos, ia tentando manipular meus amigos a não embarcarem naquela ideia. Então, joguei no ar:
- Bom, se a gente vai para casa, vamos logo. Senão vamos ver o ingresso e resolver isso.
Ao que Amanda do George respondeu:
- Vamos assistir os desfiles, gente. Somos jovens. SÓ SE VIVE UMA VEZ!
Essa foi a primeira vez que ouvi Amanda dizer isso. Naquela época, não sabia do tamanho da disposição dessa gaúcha que ainda me parecia tímida e um pouco séria. Me esqueci que Amanda é geminiana e que o signo tem duas faces e que uma delas ama festa. Já deveria ter aprendido essa lição, já que minha amiga Luana é do mesmo signo e, apesar de parecer tímida e contida, é só se aproximar um pouco que ela se revela uma grande festeira. Preciso dizer que essas duas me ensinaram a amar os geminianos?
E lá fomos nós para o sambódromo, onde vivi uma das noites mais inesquecíveis da minha vida. Vimos a Mangueira homenagear a Marielle em um dos sambas-enredo mais bonitos que já ouvi. Senti na pele e no coração, a energia que circula no solo sagrado do samba. Sou muito da paulistinha, mas o Rio, de diversas formas, sempre me faz acreditar que nossa história só pode ser de outras vidas. Estar no desfile aquela noite foi simplesmente indescritível e, se não fosse pela Amanda, teria perdido a chance de vivê-la.
Era sábado e Amanda chegaria de viagem depois de uma noite inteira num ônibus.
- Olha, vou ter que sair para resolver algumas coisas na rua. Se quando chegar, tiver ânimo e quiser ir comigo, tá convidada. Mas não é passeio, hein? É só para resolver coisa mesmo - eu disse, já sabendo qual seria a resposta.
- Mas é claro que eu vou.
Fomos. E tomamos sorvete chique, almoçamos com cerveja gelada e encontramos outras amigas e fomos a uma feira e, terminamos o dia, jogando cartas num gramado. Se estivesse sozinha, provavelmente teria voltado para casa cedo e passado o resto do dia na frente da TV.
A cada passada do cartão de débito, um riso nervoso e “só se vive uma vez”. Afinal se juntas já gastam, imagine juntas, né? Mas não posso dizer que não me diverti.
No dia seguinte, domingo, tínhamos aniversário da Lorena, nossa amiga. Não importava o cansaço, era um evento que eu não podia perder. Mas não era só o cansaço que me angustiava naquela manhã. Era o medo.
Sim, medo. Pois é. Se você me lê, se convive comigo, deve saber o quanto sou medrosa. Nem me dou conta e quando vejo já estou dizendo “sabe o que é, é que tenho medo”. E nunca fui diferente. Há fases que ele está mais brando; em outras mal consigo sair de casa. Atualmente, alguns dos meus maiores medos são pegar Uber e circular por regiões do Rio que não conheço. E o aniversário da Lorena envolvia as duas coisas.
Pensei em inventar uma desculpa e não ir, mas via a carinha da Lorena na minha frente e não podia fazer isso com ela. E também queria estar presente. Me consome ser levada pelo medo, deixar de viver por conta dele.
Então, depositei minha fé na Amanda, uma das mulheres mais destemidas que conheço. Afinal, só se vive uma vez e não queria perder a chance de ir no Bar do Omar, num dia 13, comemorar a vida de uma pessoa que amo, a primeira vez que ia encontrar com minhas amigas depois da vitória do Lula. Confiei na tranquilidade dela e, com frio na barriga, entrei no Uber e fui.
O dia 13 de novembro de 2022 foi um dia muito importante para mim. Além de comemorar o aniversário da Lorena e revisitar algumas questões passadas mal-resolvidas, enfrentei um pouquinho do meu medo, mas não enfrentei sozinha. Segurei na mão metafórica da Amanda e roubei um pouco da coragem dela para mim. E assim cheguei no bar, reclamando as reclamações típicas dos medrosos, frustrados pela falta de controle, mas o importante é que cheguei lá e fiquei até quando consegui. Afinal, só se vive uma vez.
E para mim, é essa a beleza da vida. A possibilidade de nos conectarmos uns aos outros, de rompermos a barreira da família. Acho tão triste e pobre aquele que só convive com seus familiares, que só é capaz de ter laços estreitos a quem é ligado por sangue, repetindo os mesmos comportamentos, como se fosse uma boneca russa matryoska, os filhos sendo uma versão menorzinha dos pais e também dos avós.
Sou medrosa como minha mãe, mas faço amigos que não são e me apoio neles para vencer o medo. E também tenho minhas habilidades e as disponibilizo para que aprendam comigo. E nessas trocas, nos tornamos mais fortes, mais sábios, tolerantes e com a mente mais aberta. Afinal, só se vive uma vez e que experiência será essa se a gente só conhecer o que é familiar e conviver com as pessoas que têm a mesma história que a gente.
Eu AMO meus amigos e eles são o melhor da vida. Gratiluz!
Vocês aprende com seus amigos? Consegue conviver com pessoas diferentes de você ou tem um círculo social que todo mundo é meio parecido?
Acho amizades o tipo de relação mais intrigante - e importante - que existe porque as pessoas estão ali porque querem, não há nada que as liguem além do afeto, do desejo de se manterem próximas. Teve um momento da minha vida que era muito difícil ter amigos. Parece que estava sempre cercada das pessoas erradas. Aí em 2006, conheci o Thiago e ele me apresentou uma nova forma de ser amigo… mas isso é papo para outra edição da newsletter.